sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Sangue do Meu Sangue, por Maria Moita Carvalho



Direção: João Canijo
Argumento: João Canijo
Elenco: Rita Blanco, Cleia Almeida, Anabela Moreira
Ano: 2011


Desde Noite Escura (2004) que João Canijo não necessita de se afirmar artisticamente, o apogeu da sua carreira atingido. No entanto, continuamente nos(/me) surpreende com obras carregadas de talento, sensibilidade e brilhantismo.
Em Sangue do Meu Sangue é impossível não reconhecer Canijo: o seu leque de actores predilectos reunidos novamente, a força de Rita Blanco em papéis que mais ninguém saberia tão bem honrar e a naturalidade de cena num ambiente bem
português que só ele sabe criar.
Não há necessidade alguma de analisar a execução técnica, mas faço-o. Faço-o porque o merece - as diferentes acções que se desenrolam simultaneamente unidas num único plano e a importância dispensada ao ambiente sonoro fortalecem esta obra por lhe atribuírem um carácter orgânico: é um filme sem cortes "climáticos", um filme que seguimos sem alguma sensação de estranheza face à ficção que decorre.
Já se disse que este é um "filme de mulheres" e tenho de discordar pois dizer isso é uma ofensa das mais redutores a esta obra. Sangue do Meu Sangue é um filme sobre a família, os valores familiares e a distorção e valorização dos mesmos, as intrigas, os segredos e a força protectora que carrega o seio familiar. Sim, é claro que o papel feminino é destacado e tratado com muito mais relevância - o pilar familiar -, mas porque este filme tem como como força impulsionadora o amor e tudo a que nos capacita, como nos transforma. O amor de uma mãe, o amor de uma tia, eventualmente o amor-mártir de um pai, o amor de um sobrinho deliquente ...
Tenho de elogiar mais uma vez a capacidade de execução técnica de Canijo que retrata Portugal em cada pormenor, em cada garrafa de àgua sem rótulo com azeite, em cada fruteira, em cada cortina. Um olhar objectivo à vida familiar de um bairro português, envolvendo todas as problemáticas actuais (sociais) e intemporais (familiares).
Se em Noite Escura, Canijo retratou a deteoriação dos valores familiares, em Sangue do Meu Sangue enaltece-os, fortalece-os e mesmo que a certas alturas meio que distorcidos, sempre presentes.
Os vários prémios e nomeações em tão pouco tempo atribuídos, falam por si só.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Melancholia, por Ricardo Branco

Direção: Lars von Trier
Argumento: Lars von Trier
Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland


            Melancholia é um assombro de filme que ejecta em nós esse mesmo sentimento de tristeza rotineira. Melancholia é bem mais que um planeta que aparece no Universo com risco de provocar o apocalipse: Melancholia é o fim do mundo e este filme é sobre aquilo que sentiríamos se soubéssemos que de facto o mundo iria acabar.
            Lars von Trier está de volta aos seus anos dourados – depois da sua perversão e desafiar em Anticristo: que muitos dirão que foi um verdadeiro flop, leva-nos de novo a mais um desafio à condição humana: a aceitação da morte. Acho que há uma qualquer obsessão no cineasta por condições extremas e sentimentos no limiar – por isso é que todas as atrizes que trabalham com ele se sentem puxadas ao limite.
            Desta vez temos uma Kirsten Dunst, um Alexander Skarsgård e até um Kiefer Sutherland – o que nos faz duvidar das intenções de Trier; no entanto continuamos a ter uma Charlotte Gainsbourg e escusado será dizer que só ela e Dunst é que realmente importam aqui: o resto é - nada mais, nada menos – que pano de fundo.
            Nunca simpatizei muito com a Kirsten Dunst – tive aquela curiosidade de gostar dela aquando da sua Marie Antoinette, mas fora isso: nada puxava muito por mim; mas Dunst neste filme está deslumbrante como qualquer atriz que decida entregar o corpo a Lars von Trier – provavelmente o seu melhor papel de sempre (arriscaria a dizer).



            A fotografia do filme é das melhores dos últimos tempos e a banda sonora é estupenda: genial até – há toda uma sensação apocalíptica provocada por cada uma das melodias de Wagner. Assombrando-nos logo desde o início com uma sequência que nos lembra algo como o stop motion acompanhado por Tristan and Isolde.
            Sabemos que a cena do casamento não é inteiramente original nas produções de von Trier, mas penso que isso não interessa muito para o caso – porque o que ele fez foi melhora-la e detalha-la de mais interesse; pegar numa cena que quase ninguém viu para a reciclar e não a desperdiçar.
            Há em Melancholia uma sensação de que estamos agarrados ao filme desde o seu verdadeiro início – não queremos parar de ver o que vai acontecer por nada e eu penso que isso é um factor agradável que Trier acrescentou à sua obra. Há em nós uma sensação de compaixão por aquelas personagens e dei por mim a certa altura a falar com elas. Não deixa de ser um filme triste e (escusado será dizer) melancólico – mas confesso que me diverti (principalmente com a cena deliciosa da limousine) e sinceramente eu não me lembro de alguma vez me ter divertido com Lars von Trier.

domingo, 11 de dezembro de 2011

WE NEED TO TALK ABOUT KEVIN (2011) dir. Lynne Ramsay, por Tiago Moura

FILHO DO MEU FILHO MEU FILHO É



We Need To Talk About Kevin
De: Lynne Ramsay
Argumento: Lynne Ramsay et all.
Elenco: Tilda Swinton, John C. Reilly e Ezra Miller




Poucos são os formatos que discutem a condição destrutiva que vem associada à ocasião jubilante de dar vida a um outro ser humano. O filme We Need To Talk About Kevin de Lynne Ramsay quebra com esse perpétuo tabu. Adaptado da obra homonima de Lionel Shriver, Kevin é facilmente um dos filmes mais perturbantes do ano.

Quando Eva (Tilda Swinton) dá a luz o seu primeiro filho pára de existir enquanto uma mulher de carreira que vingou em Nova Iorque, e forçosamente troca as suas tarefas pelo papel de mãe. Mas esta não é uma transição fácil. Eva não consegue lidar com o temperamento difícil do seu bebé e este parece perceber desde muito novo que o poder está do seu lado.

O filme abre com um plano geral de Eva na La Tomatina, que transporta o público para o universo abstracto dos quadros de Mark Rothko em que é o espectador que preenche a tela com as suas interpretações. O vermelho que suja o corpo de Eva nesta primeira sequência será uma constante agressão sob a imagem e abrirá discussão sobre as suas diferentes leituras; seja pintado na face da casa de Eva ou na luz que permeia pelo seu quarto.

Mais do que um dos ambientes mais tensos dos últimos anos cinematográficos, We Need To Talk About Kevin é, igualmente, uma das películas mais bem construídas do ano. Esteticamente o filme é incrivelmente inteligente no modo como sobrepõe elementos visuais e sonoros de forma a dar continuidade à narrativa. Esta é uma opção que resulta muito bem ao ligar os dois tempos narratológicos do filme, ao ponto em que cria diferentes ilusões para o espectador.

Mas temos de falar de Tilda Swinton. A actriz - já vencedora de um Óscar - apresenta-nos uma incrível interpretação no papel de uma mãe que se vê confrontada com as acções do seu filho e se debate com a sua responsabilidade. Swinton é parte espectro parte humana numa personagem capaz de criar simpatia e, ao mesmo tempo, revolta no espectador. Também de salientar é o jovem Ezra Miller, na terceira encarnação de Kevin, que no seu ar jovial é capaz de perturbar o mais certo dos espectadores.

We Need To Talk About Kevin é um thriller notável, que deixa o espectador clamando por respostas e razões para o que vê no ecrã. Normalmente, isto não seria um elogio, mas num filme que trata a violência tão familiarmente seria impossível sair da sala de cinema com as respostas todas.

La Piel Que Habito, por Ricardo Branco





Direção: Pedro Almodóvar                                                               
Argumento: Pedro Almodóvar / Agustín Almodóvar                          
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya e Jan Cornet

              La Piel que Habito é o filme em que Almodóvar se decidiu vender – isto para deixar de ser polémico e passar a ser mediático: no entanto isso não fez deste filme um mau filme – muito pelo contrário.
            Este é um filme que poderia ser uma expiação completa – uma expiação sobre uma qualquer obsessão com o voyeurismo tentando transpor para o público essa mesma sensação: fazendo-nos sentir que nós é que somos os verdadeiros voyeurs.
       Colocando-nos perante cenas de violação – levando-nos a lembrar por breves vislumbres imagens do Irreversível de Noé: mas enquanto uma nos provocava um certo esgar de horror ou nojo, esta provoca-nos uma sensação de prazer dentro da nossa zona de conforto. Somos voyeurs e gostamos.
            A fotografia é ótima, mas ninguém estava à espera de outra coisa – Almodóvar celebra-se  com imagens juvenis como jardins de vestidos e premeia-nos com verdadeiras delícias aos olhos. A banda sonora não foge do costume: é boa como sempre – simples e singela.
            A teoria científica que integra o filme é completamente verosímil – e confesso que isso foi um alívio: estava a temer demasiado por esta introdução de Almodovar à massificação. Temos sangue, temos linfa, temos transgénicos e temos invenções que não são bioéticas.

            
          As referencias artísticas a Louis Bourgeois e Alice Munro fazem-nos crer que nem sempre vender-se quererá seguramente dizer uma mudança radical – até porque continua a existir neste filme coisas que não são para os olhos de toda a gente e pormenores que se escapam por entre a mediatização.
            Houve uma pequena desilusão: está tudo muito explicado, não há aquela sensação de interpretação de signos - porque Almodóvar lançou os foguetes e apanhou as canas para que ninguém tivesse que se esforçar minimamente para assimilar a sua mensagem.
            Há muito sexo e de forma polémica de certa forma e isso faz-nos ficar bastante felizes por revermos ali Almodovar chapado – mas depois temos analepses completamente explicitas com grandes letras a indicar-nos o tempo que passou e até quando estamos de volta ao presente.
            Se por um lado Almodovar conquistou mais publico que o costume, vendeu um pedaço da sua alma e para aqueles que sempre o idolatraram isso é imperdoável – de qualquer das formas é um bom filme para se ver numa tarde chuvosa de Domingo.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Submarine, por Marta Sampaio



Direção
Richard Ayoade
Argumento
Richard Ayoade, Joe Dunthorne
Elenco
Craig Roberts, Yasmin Paige, Paddy Considine, Sally Hawkins e Noah Taylor




Submarine é mais um filme de adolescentes, é mais um filme que retrata a vida de um jovem à procura da sua identidade, é mais um filme que aborda questões típicas da adolescência: a sexualidade, a morte, a aceitação pelos pares, a vida familiar.
Mas Submarine é só nestes pontos semelhante a tantos outros filmes. A sátira presente em cada um dos acontecimentos retratados ou mesmo a ironia e o humor que tentam desdramatizar a já dramática vida destas personagens torna Submarine diferente.
Oliver Tate, exemplarmente interpretado por Craig Roberts, é um jovem que tenta adaptar-se a um mundo que não percebe. Ao questionar o seu próprio ser, chega a renegar valores em que acredita na ânsia de ser aceite e reconhecido. Apesar desta atitude lhe trazer vantagens, como a aproximação a Jordana Bevan (Yasmin Paige), uma rapariga estranha que gosta de brincar com fósforos, acaba por perceber que não faz parte daquele mundo que o quer domesticar – a escola – e vê finalmente a hipótese de concretizar o que pretende: perder a virgindade.


Possible Reasons
1. You’re fatally in love with me.
2. Best to do it before it’s legal.
3. Bound to be disappointing so why wait?


Rapidamente somos transportados para o mundo de Oliver, onde nada é deixado ao acaso: o vestuário, a sua mala, o dicionário que transporta e que todos os dias consulta, a parede do quarto repleta de desenhos e fotografias, os livros, a música francesa, a máquina de escrever, a sua cama. Imagens poéticas acompanham todo o filme, enquanto Oliver tenta salvar o casamento dos seus pais, ajudar o pai a vencer uma depressão, afastar a mãe de um antigo amor, passar despercebido na escola e não desiludir Jordana. Com comportamentos obsessivos, não compreendidos e algo exagerados – típicos desta fase da vida – Oliver é ele próprio um submarino, ligado a uma outra realidade na esperança flutuante de viver debaixo de água para não enfrentar os problemas, a ansiedade e o medo que as mudanças provocam. Aquela esperança de, entre humores e amores adolescentes voltar à superfície e tudo estar como quer, de acordar e aquele sonho ser real.



You're the only person I’ve allowed to be shrunk down to a microscopic size and swimming inside me in a tiny submersible machine.




Para além de evidenciar a adolescência como um período conturbado e de mudanças a vários níveis, com as quais inevitavelmente nos identificamos, Submarine toca-nos pelas imagens, pelos diálogos sentidos, pelas expressões carregadas, pelos sentimentos confusos, pela forma real como (re)trata o amor entre duas pessoas que tentam descobrir o que isso é e perceber se “aos 38 anos aquilo ainda vai importar”.
Baseado no romance de Joe Dunthorne, o realizador Richard Ayoade, estreante em longa-metragem, brinda-nos com um filme carregado de simbologias, que foca questões sérias de uma forma única, aparentemente descontraída, mas ainda assim profunda. A fotografia cativa e abraça o objetivo pretendido e, aliada a um cenário quase dramático e angustiante, a banda sonora do arctic monkey Alex Turner completa o filme com músicas intimistas e que contam elas próprias a história de Oliver e Jordana.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A Dangerous Method, por Sandra Moreira



Direção: David Cronenberg
Argumento: Christopher Hampton, John Kerr
Elenco: Michael Fassbender, Keira Knightley e Viggo Mortensen
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Nada sabia acerca do filme quando decidi entrar naquela sala de cinema. Keira Knightley como actriz principal pareceu-me um bom motivo. E à saída da mesma estava convicta: o motivo era suficiente. A beleza peculiar e simples (nunca tão simples…) de Keira dá vida a uma neurótica que se vai transformando ela própria, através de um método que alguém considerou perigoso, numa das mais importantes pioneiras da psicanálise. Freud e Jung são lançados para um plano secundário, ou, melhor dizendo, para um pano de fundo que nos contextualiza temporalmente numa história acerca daquilo que nos mantém literalmente vivos: a sexualidade.
Um Método Perigoso acobarda-se à medida que a cena se desenrola. Se ao início nos consegue chocar com a histeria de Sabina Spielrein (Keira Knightley), que obriga a uma quase desmandibulização” da actriz, deixa-nos com água na boca por não nos emocionar na forma como Freud mantém a sua obstinação. Após toda a especulação que surgiu acerca da procura incessante de Freud pela fama (que justificaria, em parte, tal fixação na sexualidade humana), vemos representada uma personagem que não nos chega a perturbar com devaneios, sonhos eróticos ou convenções pouco ortodoxas. Tudo nele parece provido de uma certa sensatez, de uma atitude reflexiva elaborada, quando, na verdade, Freud não foi sequer consistente consigo mesmo ao longo da sua História. Talvez Cronenberg não quisesse perder a objectividade, fazendo o filme falhar um pouco naquilo que ao cinema sempre é perdoado: a especulação, a ornamentação e o exagero.
Otto Gross (Vincent Cassel ) representa neste filme, com uma expressão corporal e facial que falam por si, o expoente máximo da prova de que todos nós somos potenciais doentes e “curadores”. Otto transforma-se tão subtilmente que nem chega a ser uma transformação. Ele incorpora o papel de “libertador” na personagem que procura uma forma de libertação para si mesmo. E é neste ondular de neurose, psicose e cura, que nos é revelada uma verdade para mim inegável: é do extremismo e do paradoxo que nasce aquilo que ainda faz tudo girar com uma perfeição dificilmente perceptível - o equilíbrio e a sensatez do universo. Um filme que, para quem vir, percebe que o seu sentido é reforçado e plenamente sintetizado exactamente no fim.
Este é um drama biográfico que nos relembra que são os impulsos mais primitivos que impulsionam a própria vida; que é dos recônditos de um id submerso que emergem os mais puros, os mais sinceros e autênticos actos humanos; que a neurose que vive em cada um de nós nos pode inspirar infinitamente para o entendimento da natureza humana… mas que é da consciência e de um superego (que parece tão dissipado no mundo que hoje nos rodeia) que nasce a capacidade de uma vida em sociedade, de uma vida em que o equilíbrio, esse equilíbrio tão frágil e evanescente, possa perpetuar-se e elevar-nos a um estado em que nós, tal como Jung, possamos morrer em paz.

Sleeping Beauty, por Ricardo Branco


Direção: Julia Leigh
Argumento: Julia Leigh
Elenco: Emily Browning, Rachael Blake e Ewen Leslie


            Sleeping Beauty não é um grande filme. Não deixa de ser um bom filme, de certa forma: mas nunca será um filme a ser recordado em 2011; e sendo este a estreia de Julia Leigh como argumentista e realizadora, não se entende a enorme projeção alcançada também.
            Um filme com nome de conto de fadas (Bela Adormecida) criou em mim inúmeras idealizações - não vou negar – que de facto não chegaram a ser colmatadas de nenhuma forma. Há em Sleeping Beauty uma tentativa de criação de uma realidade com que nunca nos deparamos e essa originalidade é muito bem-vinda: o problema é que acabamos por sentir que tudo está a ser mal explorado e ficamos sempre à espera de mais durante os 104 minutos de filme.
            A fotografia nem sempre é boa, no entanto – quando o é, é-o de uma maneira incrível e avassaladora. É um filme que retorna os fade-outs de cenas como em outros tempos, mas que nem sempre o faz da melhor forma. O argumento é uma tentativa de filosofia excêntrica que falha por completo – teria tudo para ser um bom guião, mas faltou essa tal exploração de que falei e acaba muitas vezes por se tornar bastante non-sense. A banda-sonora? É inexistente – excepto por umas melodias raras que fazem lembrar filmes de terror do início dos dias do cinema, talvez numa tentativa conturbada de nos entusiasmar com a narrativa.


            Sleeping Beauty tinha tudo para ser um bom filme, mas não o conseguiu concretizar: deixando-nos com algumas imagens que acabam por ser perturbadoras, simplesmente porque não foram explicitamente claras e honestas. Há um esforço por se conseguir uma obra de arte e por momentos ainda pensamos que isso vai acontecer e continuamos a torcer por isso – mas quando chegamos ao final temos apenas vontade de encolher os ombros e seguir em frente com a nossa vida.
            Ainda que não seja um grande filme de 2011: Sleeping Beauty merece de facto ser visto, simplesmente pelo genial desempenho da bela Emily Browning. Emily é a peça fulcral de todo o filme e entrega-se de corpo inteiro a um papel de cinema independente. Confesso que eu tinha esperança de a ver um dia num papel como este; não chega dizer que Emily esteve à altura do papel: ela foi mais que qualquer indicação cénica que lhe podiam ter dado – Emily foi a verdadeira Bela Adormecida e tornou um filme mal explorado em algo que não podemos deixar de ver – ainda que tudo não passe de conceitos e desejos non-sense pouco explícitos e explorados.
          

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

RESTLESS (2011) dir. Gus van Sant, por Tiago Moura

JÁ VOS DISSE QUE TEM UM FANTASMA JAPONÊS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL?
Restless
De: Gus van Sant
Com: Mia Wasikowska, Henry Hopper
Argumento: Jason Lew


"To die by your side is such an heavenly way to die"
- assim vai a mítica música dos The Smiths, que não se acharia desencontrada na banda sonora do mais recente filme de Gus van Sant. As tramas e vicissitudes da adolescência já foram, no passado, terreno muito fértil para o cinema de Gus van Sant e em Restless o realizador oferece ao espectador mais uma luz a uma história (a)típica de amor Hollywoodesco.


Por norma, os romances cinematográficos têm sempre de superar algum obstáculo - uns mais humanos que outros - para que o espectador reconheça a validade do sentimento que observa. Em Restless, Annabel (Mia Wasikowska) é uma jovem que padece aos poucos de cancro e que trava uma relação peculiar com Enoch (Henry Hopper) num dos muitos funerais que este gosta de assistir.


A postura hesitante com que Enoch é apresentado contrasta com a expressão dócil de Annabel, quando esta o procura pela suposta primeira vez. Apesar de as duas personagens criarem entre si um forte laço, essa primeira diferença será a mais pesada fronteira a ser explorada quando ambos tiverem de enfrentar o obstáculo ao seu sentimento - a morte.


E a morte será certa - assim avisa Annabel.


Gus van Sant é reconhecido como um narrador único e aqui o realizador fala para uma geração (des)encantada - uma geração que se revê nos Suburbs dos Arcade Fire e que procura um escape para o sonambulismo quotidiano. Restless usa e abusa do ar inocente dos dois actores principais e do modo peculiar como cada uma das suas personagens se relaciona com o mundo. A figura - quase angélica - de Hopper e Wasikowska carrega em si a responsabilidade de comunicar ao espectador a confusão que é lidar com a morte e, em último, com a vida depois da morte. Henry Hopper é particularmente convincente - apesar da sua novidade em papéis cinematográficos de maior relevo - no seu papel de um rapaz, no mais puro dos termos, preso nos traumas do passado e nas incertezas do presente.


O filme desenrola-se em pequenos quadros iluminados (quase etéreos) e desprovidos de grande azáfama. Toda a emoção que transbordaria de uma narrativa destas é apresentada ao espectador de um modo controlado e através de uma lente cheia de gloss que culmina em diferentes sequências em que a banda sonora e a imagem privada de diálogo se fundem numa só escrita.


Restless pode não ser o filme mais inventivo dos últimos anos, ou até mesmo da obra de Gus van Sant, mas nem só da inovação vive o artista. Afastando-se das temáticas mais pesadas que desenvolveu em Elephant (2003) e Last Days (2005), o realizador comanda que se faça luz sobre a morte e o resultado é um drama iluminado sobre o momento em que aprendemos a viver.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Like Crazy, por Ricardo Branco



Direção: Drake Doremus
Argumento: Drake Doremus / Ben York Jones
Elenco: Felicity Jones, Anton Yelchin e Jennifer Lawrence

           Sempre que criamos grandes expectativas em relação a alguma coisa, o mais certo é isso vir a trair-nos e resultar numa grande desilusão. Eu criei imensas expectativas em relação ao Like Crazy: mas aqui, o resultado não foi uma desilusão, mas sim um superar de qualquer idealização que eu tivesse feito.
            Like Crazy é um filme da vida real – é um monstro que se torna tão grande dentro de nós, como se de facto pertencêssemos àquela história de amor. Assim que chegamos a nove minutos de filme, estamos completamente rendidos a estas personagens tão reais que desenvolvem uma relação de amor da maneira mais simples possível.
            Nunca tinha visto nada com a Felicity Jones, mas não há maneira de escaparmos à  sua brilhante e natural prestação como atriz. É duma beleza e fragilidade tal: que nos leva a  ficar vidrados em planos centralizados na sua personagem. Anton Yelchin é muito bom também, mas isso já eu sabia desde as psicanálises de Charlie Bartlett.
            A fotografia, a edição, o argumento: tudo está em perfeita harmonia neste filme e acerta-nos como um soco no estômago – assim ao jeito de Blue Valentine. A banda sonora é genial (é bom referir) e é a cereja no topo do bolo deste nosso envolvimento duma história que nos sendo estranha, é muito nossa também.
            Like Crazy não é o filme que o trailer promete, é muito melhor que isso – mas essa questão vai fazer com que o filme seja incompreendido por muito boa gente e acabe posto de lado no circuito comercial banal: o que sinceramente, na minha opinião – é sempre bom sinal.
            Para quem está à espera de uma história de amor que consiga ultrapassar tudo – pode entrar na sala de cinema ao lado porque esta não é essa história: esta é uma história de amor real e isso é sempre muito melhor que qualquer conto de fadas que nos atirem para cima formatado e pouco original. Esta é uma história sobre as ironias da vida: sobre aquilo que temos e não conseguimos ver - sobre as coisas que não conseguimos entender.
Drake Doremus é assim um realizador e argumentista de que se espera muito a partir de agora, mas acredito veemente que será bastante complicado superar uma história de amor que nos faça apaixonar “como loucos”.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Vale Abraão, por Ricardo Branco

Direção: Manoel de Oliveira
Guião: Agustina Bessa-Luís / Manoel de Oliveira
Elenco: Leonor Silveira, Cécile Sanz de Alban e Luís Miguel Cintra

Quando comecei a ver o Vale Abraão, pensei que este seria uma adaptação da Madame Bovary e não uma  recriação de uma outra Ema que fazia questão de afirmar que nada de Bovary possuía. Vale Abraão é intemporal: porque de facto não existe qualquer referencia temporal – oferecendo a toda aquela história uma conotação de mito, ou até: de conto de fadas.
Manoel de Oliveira manteve-se fiel à reinvenção de Agustina Bessa-Luís e isso nota-se nomeadamente na linguagem aristocrática com que a voz-off nos interpela. Há uma vontade notória também na seleção de cenas e até na longa duração do filme, por parte do realizador de se manter fiel dentro dos possíveis à obra homónima.
Tendo o Douro como personagem principal – as paisagens, a que se dá meticulosa atenção, são sumptuosas e tomam grande papel no enredo que temos perante nós. A fotografia é assim, de certa forma, um total deslumbre e a claridade do Vale oferece uma especial tonalidade à imagem de pureza e leveza.
Não poderia haver melhor Ema que Leonor Silveira – que durante cenas inteiras nos constata apenas com a sua beleza, enquanto a voz do narrador nos indicia para dentro da sua cabeça e nos transparece o que se passa com Ema de Paiva. Penso que esta Ema é muito mais enigmática que a Bovary, oferencedo-lhe uma tonalidade oculta que nos é transmitada pelo próprio Vale (daí, existir um constante diálogo da personagem com a terra), e essa opacidade seduz-nos a nós espetadores também como a todos aqueles homens que caiem a seus pés.
Ema de Paiva leu três vezes a Emma de Flaubert, as pessoas de elite com que Ema se dá chamam-lhe de a “Bovarinha” e uma das personagens, inclusive, divaga sobre afirmação célebre de Flaubert “Eu sou a Bovary” – existe um forte diálogo sempre entre as duas personagens, mas com a portuguesa recusando sempre qualquer semelhança com a primeira: já o sendo. “Eu não sou nada, sou um estado de alma em balouço” compara-se Ema de Paiva a uma rosa – e essa flor é demasiado importante nesta obra em diferentes simbolismos; tal como a pessoa que a tenha acompanhado a vida toda ser surda-muda: o que nos oferece a nós também um desafio de desconstrução tornando a visualização do filme completamente deliciosa.
Os espelhos, o dinheiro, os livros, o guarda-roupa, o laranjal – tudo é colocado em cada cena com uma demasiada importância, nada é por acaso na narrativa de Vale Abraão: os próprios diálogos enigmáticos são uma prova disso.
E quando Dossem afirma a um quarto de filme “Já não há amores líricos”, entendemos que esta história nunca vai ser sobre amores, mas sim sobre desamores – fazendo desta Ema de Paiva não uma Bovary, mas uma “Bovarinha” e bem portuguesa.