quarta-feira, 28 de março de 2012

THE HUNGER GAMES (2012), dir. Gary Ross

ENTRE 1984 E UM FUTURO PRÓXIMO



De: Gary Ross
Argumento: Suzanne Collins, Gary Ross, Billy Ray
Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Elizabeth Banks






Se a nova moda parecem ser os remakes de filmes de culto, uma outra que não parecesse perder o seu firme punho no mercado é a adaptação de verdadeiras sagas juvenis com um toque do fantástico. Em 2001, Hollywood apercebeu-se deste buraco no mercado quando o primeiro filme da saga de JK Rowling tornou-se um dos filmes mais rentáveis de sempre. Harry Potter e a Pedra Filosofal de Chris Columbus rendeu pouco menos que 1 bilião de dólares nas bilheteiras (na altura em que o único filme que havia quebrado essa barreira era o Titanic) e a indústria começou a partir de então a investir pesadamente nestas aventuras. De um ponto de vista financeiro, eram jogadas promissoras, visto que havia diferentes oportunidades de uma saga ganhar novos espectadores, sendo esta uma fonte renovável de lucros. Oito filmes depois, a saga do feiticeiro rendeu ao estúdio da Warner Bros. perto de 8 biliões de dólares. E depois de descoberta a pólvora todos querem atirar no escuro.

Na última década o panorama cinematográfico foi, literalmente, invadido por outros exemplos deste tipo de cinema: uns com mais sucesso (Twilight, As Crónicas de Nárnia) que outros (A Bússola Dourada). E eis que chega a vez da trilogia de Suzanne Collins ser adaptada para o cinema numa altura em que o único franchise sobrevivente é o dos vampiros de Stephanie Meyer que caminha a passos largos para o seu final. E acho que só é justo ver o filme em função das outras sagas e analisar o filme por si só.

O primeiro capítulo da saga de Collins acontece num futuro indeterminado (que parece mais próximo do que longe), onde numa tentativa de «acalmar» os habitantes dos 12 distritos de Panem é organizado um evento anual onde dois jovens representantes de cada um dos distritos tem de lutar até à morte numa arena.

A nossa heroína - Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) - pertence ao último distrito e oferece-se como Tributo quando a sua irmã de 12 anos é inicialmente escolhida. Ao seu lado é escolhido Peeta Mellark (Josh Hutcherson). Ambos extremamente jovens são então levados para o Capitólio onde são preparados para os jogos. Um factor decisivo do apelo desta narrativa é o lado mais filosófico e sociológico de como esta sociedade é apresentada. Os jogos são um evento mortífero, do mais primal imaginável. Contudo, é um programa de televisão - obrigatoriamente assistido por todos os habitantes. Como o Presidente Snow (Donald Sutherland) afirma a certo momento no filme, um pouco de esperança é como uma pequena candeia na escuridão e tem que se saber controlar o tamanho dela. E é nessa frágil linha entre o voyeurismo e o político que o filme caminha.

Obviamente, que neste tipo de filmes isso não seria suficiente para agradar ao seu público-alvo - isso seria demasiado adulto. É claro que não podiam faltar alguns elementos característicos como o triângulo amoroso, um ambiente completamente fantástico em alturas, personagens femininas particularmente impestuosas. Jennifer Lawrence parece uma escolha bem sucedida no papel principal de uma jovem fria que tem de lidar com o que de mais frio existe na raça humana e apesar de ter um ritmo inicial mais arrastado, o filme não passa como desinteressante ou monocórdico. Parecem ser passos necessários na construção de um universo novo, onde é importante criar todas as pontes possíveis com o nosso. É, de resto, pena que não tenha havido esse mesmo cuidado nos instantes finais do filme, sendo que depois de um crescendo fulminante que termina na coroação do vencedor o filme passa a ser um conjunto de cola e costura de sequências sem grande interesse para além de terminar o filme.

O universo construído por Gary Ross é de extremos. Se em partes quase que recorda o naturalismo d' O Senhor dos Anéis as sequências no Capitólio parecem um misto entre as cortes de Luís XVI de Sofia Coppola e o país das maravilhas de Tim Burton. É de notar que a câmara do realizador se mexe com muita mais naturalidade nas cortes do que na arena, onde as sequências de acção são filmadas preferencialmente no meio da acção o que torna a cena confusa e, por vezes, não deixa que o espectador participe da mesma.

Quando as duas horas e meia do filme terminam as bases para o segundo filme foram colocadas, contudo parece haver um cuidado especial em não deixar a acção em aberto como acontecia na trilogia de Peter Jackson. Mas o sucesso do filme nos Estados Unidos parece assegurar que não será a última vez que entramos na arena com Katniss e Peeta.

Comparado com outras sagas do género, The Hunger Games parece distanciar-se dos amores trágicos de Twilight e das demandas espirituais de Harry Potter e O Senhor dos Anéis, surgindo como um híbrido interessante do melhor desses mundos. A máquina por detrás deste novo franchise parece também querer promover este filme de um modo diferente que os seus antecessores e isso poderá jogar a seu favor agora que o mercado começa a dar sinais de alguma saturação.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Howl, por Ricardo Branco


         
Direção/Argumento: Rob Epstein e Jeffrey Friedman
Elenco: James Franco, Todd Rotondi e Jon Prescott

               Howl não é um filme para ser apreciado por toda a gente. Ainda que a linguagem de certa forma o permita: nunca irá ser sentido da mesma forma por alguém que seja um outsider total face a aquela história. Howl é um filme sobre a literariedade na homossexualidade.
            Mais do que um filme sobre a vida de Allen Ginsberg e de certa forma da vida dos seus colegas da beat generation – Howl (como o nome indica) debruça-se sobre a análise e reflexão do poema: o que poderá ser obsceno ou não, o que tem valor literário ou não e tudo vai acontecendo com o julgamento de guarnição.
            As animações que acompanham o poema são cruas e de tons de alucinação – mas de uma beleza inquestionável e uma importância séria na interpretação do poema: as formas são abstratas muitas vezes, mas também o são as palavras deste poema à primeira leitura “como uma fotografia lentamente revelada”; a certa altura já não sabemos se as imagens nos ajudam com o texto ou o texto nos ajuda com a imagem – o importante é que somos levados e consumidos pela ilustração.
            A inserção de imagens reais leva o filme para um outro nível – não tão épico, mas assim no tom de Milk (por Gus van Sant) com dezenas de hipsters e white negros a dançarem ao som de Hot Jazz e a darem-se aos prazeres do mundo. Há uma confirmação daquilo que especulamos, há uma confirmação daquilo que imaginamos quando ouvimos as entrevistas que Allen dá (aqui interpretadas por Franco).


Não é novidade que James Franco desempenharia bem o papel de Allen Ginsberg, mas é novidade que ele o viveria desta forma tão pulsante – atento nos pormenores do sotaque e da acentuação da leitura e nos gestos levando-nos a crer um Ginsberg (que de alguns ângulos chegam a ser bem parecidos).
            Nota-se perfeitamente que este filme é dirigido e criado por alguém que está habituado a documentar apenas e isso é bastante positivo aqui: são uns quantos pontos oferecidos à veracidade e realidade do filme e leva-nos a acreditar que tudo aconteceu exactamente daquela forma (e quem sou eu para o questionar?).
            O poema está lá (incluindo a sua “sagrada” nota de rodapé), a polémica e o poeta também: não faltou nada – até Kerouac e Cassidy existem neste filme – talvez a única coisa que faltou foi mais: ficamos com a sensação de que nos soube a pouco.
            Em Howl celebra-se tanto a alegria da homossexualidade, como a literariedade de se escrever caralho.