terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

SHAME (2011), dir. Steve McQueen

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER



De: Steve McQueen
Argumento: Abi Morgan, Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Carey Mulligan




Uma cama desfeita. Uma palma pressionada contra um vidro. O título do filme escrito com um líquido branco num tronco masculino. Mesmo antes de entrarmos em contacto directo com a mais recente obra de Steve McQueen, somos transportados para um universo sexual através de diferentes referências visuais.

Um gesto estranho num meio reservado, normalmente, ao principal chamariz na campanha publicitária de um filme - os actores. McQueen parece querer que o espectador fique perdido quanto ao «quem» do seu presente filme. Até ao primeiro plano de Shame, o espectador não sabe que género de corpo está associado aquele universo para onde já foi atirado.

Shame de Steve McQueen é sobre sexo. Sem qualquer sombra de dúvida. Mas não só. E, ao contrário de outros filmes que tratam a relação de alguma personagem com o acto sexual, a película de McQueen destaca-se por não fazer do acto em si um objecto secundário na narrativa do filme. Aqui, o sexo não resulta do enredo, mas sim o inverso. E o espectador é constantemente relembrado disto, quase pontualmente, durante o filme todo.

A problemática central do filme é a relação asfixiante de Brandon (Michael Fassbender) com o prazer sexual. O seu prazer sexual. O realizador muito rapidamente no filme cria a premissa de existir uma patologia na personagem principal. Isto para que o espectador perceba o mais rapidamente possível o modo como a «obsessão» sexual de Brandon corrói todos os campos da sua vida: das pausas masturbatórias no local de trabalho, aos inúmeros encontros sexuais com prostitutas, ao assombro constante da pornografia no seu quotidiano.

Tal como um alcoólico ou um toxicodependente faria, Brandon molda toda a sua rotina em torno do seu vício. Contudo, aliado a esta procura incessante do seu prazer físico, aparece um sentimento de vergonha - quase Católica - de agir sobre o mesmo. Um sentimento de culpa que o distancia de qualquer contacto emocional verdadeiro, ao ponto de ouvirmos Brandon dizer que não acredita em relações a dois.

A bolha de vidro que Brandon contruiu para si próprio ameaça ser estilhaçada quando a sua irmã - Sissy (Carey Mulligan) - se instala em sua casa por uns dias. Este acordo conduzirá Brandon a uma viagem descendente sob a sua própria condição. E a lente de McQueen está lá para captar todos os momentos - por mais constrangedores que sejam. A imagem acompanha Brandon e não há qualquer desejo de parte de McQueen de suavizar o que se está a passar.

Shame é esse tipo de filme. Pega nos colarinhos do espectador e obriga-o a ver. A experienciar. E quando este acha que não há nada mais capaz de o surpreender, o realizador conduz o filme para uma direcção completamente inesperada.

Michael Fassbender entrega uma interpretação notável ao conseguir caminhar a esguia linha que separa o humano do abjecto. A sua interpretação está repleta de variações incríveis que preenchem uma história difícil com rasgos intensos de humanidade que puxam os sentimentos de compaixão no espectador. E Carey Mulligan é nada menos que excepcional em mais uma escolha de registo que a separa do tipo de papel que lhe trouxe a fama. Como Sissy, Mulligan cria um perfeito desequilíbrio na existência de Brandon. A relação dos dois cimentada entre o familiar e a tensão sexual.

Se calhar - e tal como o próprio filme de McQueen - este raciocínio estende-se um pouco mais do que o necessário, mas, se calhar, existe a mesma necessidade de fechar algumas ideias. Talvez o filme seja como os cartazes o anunciam. Talvez ele seja aquele pequeno anel deixado na mesa pelo copo de vinho. Em Shame acabamos por conhecer como o copo foi lá parar, mas nunca chegamos a perceber porquê.

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