domingo, 19 de fevereiro de 2012

WUTHERING HEIGHTS (2011) dir. Andrea Arnold

COMO MATAR DOIS COELHOS COM UMA CAJADADA SÓ



Wuthering Heights
De: Andrea Arnold
Argumento: Emily Brontë, Andrea Arnold, Olivia Hetreed
Elenco: Kaya Scodelario, James Howson, Oliver Milburn, Nichola Burley


Filmes de época costumam ser uma armadilha de regras e costumes perigosa. Para os criadores. Para os espectadores. Da roupa ao modo como as personagens se comportam e falam, o espectador tem todo um horizonte de expectativas que espera ser alcançado quando vê um filme de época. Este argumento, provavelmente, intensifica-se mais quando falamos de filmes que retratam a Época Vitoriana. Era das obras da Jane Austen e das irmãs Brontë. Todo o cânone cinematográfico baseado no universo literário destas autoras – demasiado extenso para enumerar – moldou todas as nossas referências e concepções de uma fatia de tempo da história inglesa. Até ao ponto que o formato se solidificou e, depois, saturou.

Por isso, a priori uma nova proposta fílmica do texto de Emily Brontë não parece trazer nada de excitante, ou inovador. A versão de Andrea Arnold parece argumentar o contrário. A interpretação de Arnold da história de Brontë é tudo menos uma obra formatada. Assente numa cinematografia tão majestosa como as próprias páginas da obra de Brontë, Andrea Arnold transfere o enredo de Wuthering Heights para um ambiente rural sufocante, que enclausura ainda mais as tensões da narrativa de Heathcliff (James Howson) e Catherine (Kaya Scodelario). Mas o filme de Andrea Arnold não é uma interpretação radical da obra de Emily Brontë.

Provavelmente, a maior liberdade que Arnold toma com o texto é transformar a personagem principal de Heathcliff num escravo negro, mas isto nunca surge como um elemento inverosímil durante o filme. O trabalho do jovem Howson não deixa que o espectador se distraia dos seus sentimentos. Existe sim uma enorme atenção ao detalhe descritivo da obra de Brontë traduzido em magnificas sequências – muitas delas desprovidas de qualquer diálogo.

Penso que este último aspecto do filme de Andrea Arnold é o que resgata o filme de cair na indiferença do espectador. Em vez, e de só, dar atenção ao trabalho dos actores ao transferir uma obra literária para o cinema, Arnold parece valorizar mais o papel do cinematógrafo neste processo de adaptação literária. E essa decisão parece ser um sucesso, pois, enquanto espectador, temos contacto com diferentes camadas interpretativas que só teríamos acesso na leitura do texto original. Existe, assim, uma espécie de poetização do plano cinematográfico, que vai de em certas sequências vermos a acção pelos olhos de Heathcliff ao vermos este desaparecer no nevoeiro.

A intenção de Andrea Arnold actualizar um clássico literário e cinematográfico espelha-se na linguagem das personagens, nos seus gestos e na sua perspectiva do texto e isso traduz-se numa obra sufocante que consegue fazer algo que achava impossível – injectar novo sangue num formato cinematográfico cansado.

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